Peniche

A sua origem perde-se na noite dos tempos. Sabe-se ter sido em tempos remotos Peniche uma ilha, sem a língua de areia que a liga ao Continente e aí teria acorrido, fugindo à retaliação das hostes de Júlio César e aproveitando o escarposo e inacessível recorte, um punhado de lusitanos que teriam resistido e fundado a povoação. Rodrigues Carvalheiro e Eduardo Dias transcrevem nas "Memórias de forasteiros" a narrativa do Cruzado Osberno, companheiro de Afonso Henriques, na tomada de Lisboa: "No dia seguinte aportámos à Ilha de Peniche distante do Continente cerca de 800 passos. Abunda esta ilha em veados e sobretudo em coelhos: também se encontra nela a planta do alcaçuz..."

Peniche, no tempo antigo significativa de "barco pequeno" , mas houve também historiadores, lembrando-se da afinidade fonética com a palavra península, lhe atribuíram a designação por corrupção dessa palavra. D. Afonso Henriques, na reconquista, agraciou com os territórios de Atouguia da Baleia e Peniche os cruzados lombardos, irmãos Lacorne. Logo que se iniciou o ciclo das descobertas, os antigos pescadores viraram navegantes, construindo e armando navios de alto mar com os quais colaboraram na aventura dos Descobrimentos, tornando a vila rica e próspera ao regressarem com o ouro, as especiarias e os tesouros arrecadados...

D. Afonso V em 1448 concedeu o título de Conde de Atouguia (então sede do Concelho) a Álvaro Gonçalves de Ataíde, depois alcaide-mor de Peniche. D. Luís de Ataíde, duas vezes vice-rei da Índia, foi quem mais se distinguiu na linha de sucessão da alcaiadaria. (Pinho Leal conta-nos que vindo da Índia onde poderia ter acumulado riquezas, só trouxe quatro barris de água dos principais rios da Índia: Indo, Ganges, Tigre e Eufrates, e que por muito tempo foram as pipas vistas no Castelo de Atouguia), tendo fundado em 1552 o Mosteiro do Bom Jesus (perto da actual Igreja da Ajuda em Peniche) onde quis ser sepultado. Em 1834, foi profanado o convento tendo servido para arrecadação dos militares da Praça.

Terminou o poder dos Ataídes como se sabe, com Pombal, ligando D. Jerónimo de Ataíde à tentativa do regicídio, executando-o em Belém com os Aveiro e os Távoras, e exterminando-lhes os bens e o título. Muito tempo antes, em 1589, também viu aqui em Peniche um futuro rei gorar-se a sua sorte: D. António Prior do Crato, que, com o auxílio da esquadra inglesa desembarcou na praia sul de Peniche, tendo daí marchado para Lisboa. A marcha deste exército fez-se selvaticamente, mais se preocupando os ingleses em saquear e roubar o que podiam pelo caminho do que em se constituir exército disciplinado e capaz de defender as aspirações do pretendente ao trono. É deste comportamento miserável e desleal que nasceu o epíteto dos "amigos de Peniche", rotulando os ingleses e não os da terra, por ignorância injustamente caluniados dessa odiosa traição. Povo bem pelo contrário disposto a apoiar tenazmente e sem peias, D. António...

Povo afinal que virado à pesca se viu de outras tarefas incumbido pela própria condição geoestratégica de Peniche, manápula de terra aberta em dedos de carreiros, portos, ilhéus e fusetas a estender-se para a óbvia vocação do mar. E deste mar sai peixe e marisco sem igual, que pelas inúmeras casas de refeições se distribui, a provocar-nos o apetite.
Das catedrais soberbas de penadia que tem Peniche, Nau dos Corvos e pedra de Galé como seus anjos candelários, ergue-se o Santuário da Senhora dos Remédios, formosa ermida toda de azul revestida em azulejos do Século XVIII, no delírio figurativo de António de Oliveira Bernardes. Da mesma penadia nasce a cidadela, fortaleza erguida contra a estrangeira e corsária intromissão: e é ainda a mesma penadia que defende Peniche da sua própria ousadia em intrometer-se pelo mar adentro, mar que na ineficácia do seu recontro com a fraga, em renda de espuma se desfaz. Renda que por sua vez inspira este povo a criar pelo bilro, o delicado símbolo da sua homenagem de respeito e gratidão ao oceano ao qual, na humildade da sua grandeza, reconhece tudo dever.

In Câmara Municipal de Peniche


Distrito de Leiria

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