Não tão poucas vezes se confunde com a lenda, perdendo-se na noite
dos tempos e na memória dos homens.
É o caso de Castanheira de Pera cujas origens remontam certamente a muitos
séculos antes do primeiro documento histórico comprovativo.
Com efeito, embora o primeiro documento conhecido referindo nomes de povoações
do Concelho tenha a data de 1135 (Afonso Henriques), existe uma
lenda que nos fala da princesa Peralta, filha de el-Rei Arunce,
escrita em 1629 por Miguel Leitão de Andrade, nascido em Pedrógão
Grande e que foi companheiro de armas de D. Sebastião nas areias fatais
de Alcácer – Quibir.
Segundo a lenda, fugida de Conimbriga em consequência de invasão,
Peralta acolhera-se com seu séquito na castelo de Arouce (Lousã).
Daqui e por influência de Sertório – guerreiro romano que
se colocara ao serviço dos lusitanos (e que por ela se apaixonara) é
induzida a sair, através da serra em busca de seu pai. Por altura de
Pera, morreu a sua aia, Antígona que ali mesmo foi enterrada. Sobre o
coval uma pedra tumular que dizia "Antígona de Peralta aqui foi
da vida falta". De acordo com a lenda, Vénus, a Deusa, que perseguia
a Princesa de quem jurara vingar-se, além de tirar as sardas do rosto
que tanta graça lhe dava e tê-las transferido para as trutas da
ribeira, resolveu apagar parte dos dizeres tumulares ficando "Antiga de
Pera". Refira-se a propósito que há autores que erradamente
falam de Antígona Peralta. Ora Antígona era uma personagem (a
aia), e Peralta outra (a Princesa).
A lenda é contemporânea da história. Mas se isso não
lhe dá maior autenticidade, há alguns factos que ajudam a construir
uma teoria.
Um dos pretendentes da Princesa Peralta era, segundo a lenda, Sertório.
Ora como já se referiu atrás, Sertório foi um guerreiro
romano revoltando-se contra Roma, passou a chefiar os lusitanos cerca
do ano 80 A. C.. De onde que a lenda se situa nesses anos e não
no tempo da ocupação árabe como alguns autores declararam,
talvez por, no ano 715/716 (séc. VIII) a cidade de Conímbriga
ter acatado sem combate a invasão árabe e esta situação
ter similitude com a que a lenda descreve.
Aliás, já no século V (anos 465/468), Conímbriga
fora devastada pelos suevos, segundo Idácio.
Embora a história não registe qualquer invasão entre os
anos 80/70 A. C., período em que decorre entre, a
assunção da chefia das hostes lusitanas por Sertório e
o seu assassino, não é difícil admitir lutas contra
os romanos durante esse período, tanto mais que a cidade era,
segundo a lenda, do Rei Arunce, aliado de Sertório.
Na lenda é referida a criação de Certago (Sertã)
por Sertório, fixando-se Conimbriga como distante de Certago –
menos de vinte léguas – sendo essa aproximadamente a distância
entre Condeixa e Sertã.
A propósito de Conímbriga, note-se que a palavra tem origem
céltica, sabendo-se que a povoação já existia
antes da ocupação romana que se verificou na segunda metade do
séc. II por Décimo Júnio Bruto.
Por Conímbriga passava a estrada romana de Lisboa a Braga que é
referida no contestado itinerário de Antonino.
O percurso era o seguinte:
· Olissipos - Lisboa
· Ierabriga - Povos ou Alenquer
· Scalabios - Santarém
· Selum - Próximo de Tomar (Asseiceira?)
· Conímbriga - Condeixa
· Aemínio - Coimbra
· Talabriga - Próximo de Cacia
· Langobriga - Vila de Feira
· Calém - Gaia
· Bracara - Braga
Voltando à lenda da Princesa Peralta, nela é referido o castelo
de Arouce. Este castelo foi construído pelo Conde D. Sesnando, governador
de Coimbra em 1080, mesmo ano em que fundou o de Penela.
Segundo historiadores, Arouce (não confundir com Foz de Arouce)
era o centro populacional à volta do castelo e tal era da sua importância
que em 1151, Afonso Henriques dá-lhe foral designando-a por Arouzi cuja
origem é Céltica.
As raízes da Lousã estão pois, ao que defendem muitos autores,
em Arouce, e só muitos séculos mais tarde viria a fixar na várzea
onde se encontra, com quanto se admita que os romanos já por ali se tivessem
situado.
Já dissemos que na lenda se relata, que da inscrição na
pedra tumular de Antígona, velha aia de Peralta, apenas ficou "Antiga
de Pera".
Em reforço da veracidade da presença da Princesa, salvo os exageros
míticos, por estas paragens, está um achado numismático
ocorrido em 1945, no campo da Retorta (hoje heliporto). Para abertura do terreno
do jogo haviam-se feito algumas escavações e durante o desafio
de inauguração, um atleta Castanheirense – Sertório
dos Santos Fonseca – encontrou uma moeda romana.
Pelo estudo efectuado pelo ilustre numismata, Dr. Arnaldo do Brasão
e publicado n’O Castanheirense de 23 de 1950 é observado o seguinte:
"Pela descrição e pelo decalque feito a lápis que
gentilmente me foi cedido, de facto, trata-se de uma moeda romana certamente
um denário, bem conservado porque é fácil identificar a
sua época.
Compulsando o belo estudo do Sr. F. Russel Cortez, sobre o valioso tesouro monetário
do lugar de Paio (Concelho de Sabrosa) e publicado na excelente revista Numus,
Nº 1, pág. 6, e comparando as descrições feitas naquela
revista e no Castanheirense, o Anverso da moeda romana representa o rei Sabino
Tatius, e o Reverso representa dois guerreiros.
Quando a legenda temos: Sabin, ou Sabinus, e no Reverso L. Tituri, quer
dizer Lucius Titurius, da família Tituria e viveu o ano 89 antes de Cristo.
Há umas pequenas divergências que facilmente se explicam. Os dois
sabinos, e a cabeça do família Ttituria e viveu o ano antes de
Cristo.
Há umas pequenas divergências que facilmente se explicam. Os dois
sabinos, e a cabeça do rei Tatius deveria ser nua e barbuda e diante
de uma palma.
Não é bem isto que se vê no decalque, mas estas divergências
podem atribuir-se à acção destruidora do tempo, a não
ser que se trate de novo exemplar não classificado ou identificado."
Os mais antigos de Pera recordam-se com efeito, de ouvir falar aos seus
avós da denominada "Pedra da Antiga" que dizem ter sido enterrada
na fundação de uma casa. Verdade também é que
ao alto de Pera existe um local Antiga e a estrada de Antiga; como um facto
é a existência de Pera e do Bolo há muitos anos.
In Cãmara
Municipal de Castanheira de Pera
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